O Tocantins nasceu como o mais jovem dos estados brasileiros, em 1988, carregando o desafio de construir sua própria identidade política, econômica e cultural. Mais de três décadas depois, ainda pesa sobre ele a condição de território em busca de afirmação, muitas vezes reduzido a um apêndice da região Norte ou tratado como uma extensão do Cerrado central. É nesse cenário que a aprovação da Lei nº 4.409/2024, de autoria do presidente da Assembleia Legislativa, Amélio Cayres, ganha relevância estratégica: ela não é apenas uma política pública sobre livros, mas um gesto de afirmação geopolítica e cultural.
Amélio, ao propor a Política Estadual de Cultura da Leitura e da Escrita, toca em uma ferida que o Tocantins carrega desde sua criação. O estado ainda carrega indicadores preocupantes quando o tema é alfabetização e acesso ao conhecimento. O último Censo do IBGE, de 2022, apontou que 10,4% da população com 15 anos ou mais no Estado permanece analfabeta, índice acima da média nacional, que é de 7%.
Os índices de leitura no estado juntamente com toda a região norte, estão entre os mais baixos do país, segundo a 6ª edição da pesquisa “Retratos da Leitura no Brasil” revelou uma queda significativa no número de leitores na região, com a proporção de entrevistados que leem caindo de 63% para 48% entre 2019 e 2024, uma redução de 15 pontos percentuais em apenas cinco anos. reflexo de uma rede precária de bibliotecas, de uma economia editorial quase inexistente e da ausência de grandes centros urbanos que concentrem produção cultural.
Palmas, a capital planejada, ainda não conseguiu consolidar-se como polo literário. E no interior, onde predominam cidades médias e pequenas, a leitura ainda é um privilégio de poucos, professores, universitários, servidores públicos, em vez de um direito disseminado pela sociedade.
Nesse vácuo, a lei de Amélio representa mais que um incentivo cultural: é uma tentativa de alterar o próprio ecossistema de conhecimento no Tocantins. Ao prever atualização constante de acervos, apoio a editoras locais e a realização de feiras literárias descentralizadas, a política busca não apenas aproximar o livro do leitor, mas criar um mercado em torno dele. É uma jogada ousada em um estado cuja economia se ancora majoritariamente no agronegócio, e onde a leitura muitas vezes é vista como atividade secundária frente às urgências do campo e da sobrevivência.
A força dessa lei está justamente no potencial de transformar a literatura em eixo de desenvolvimento. Tocantins é vizinho de Goiás, Maranhão, Pará e Mato Grosso, estados com tradições culturais fortes e editoras regionais mais estabelecidas. Ao criar uma política robusta para o livro, Amélio Cayres tenta posicionar o Tocantins nesse mapa, reduzindo sua condição periférica e dando protagonismo a escritores que, até hoje, dependem de publicar em outros centros para ganhar visibilidade.
O desafio, claro, será transformar letra de lei em prática. De nada adiantará uma política ambiciosa se ela não receber financiamento adequado ou se ficar restrita a discursos oficiais. A experiência brasileira mostra que planos de incentivo à leitura muitas vezes morrem na burocracia ou em eventos pontuais que não deixam legado. Mas ao trazer o debate para dentro da Assembleia Legislativa e assumir o papel de protagonista, o deputado demonstra compreender que a política cultural precisa ser tratada com a mesma seriedade que políticas de saúde ou infraestrutura.
O Tocantins não se tornará um polo literário da noite para o dia. Mas se essa lei for aplicada com rigor, pode criar condições para que, em uma geração futura, o livro deixe de ser acessório e se torne instrumento de poder social. Nesse sentido, o gesto de Amélio Cayres ultrapassa a política partidária: é um convite para que o estado mais jovem do Brasil finalmente amadureça culturalmente.
